Consumo do produto aumentou 600% nos últimos seis anos no mundo
No Dia Nacional de Combate ao Fumo, comemorado nesta quinta-feira (29), a Fundação do Câncer reforça o Movimento VapeOFF, contra os cigarros eletrônicos, fazendo um apelo à população, em especial aos jovens, para que “se liguem na vida e sejam um vapeOFF”. Em parceria com a Anup Social, que integra a Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), a entidade espera mobilizar jovens e adultos a aderirem à campanha de combate ao uso crescente do produto, também conhecido como vape ou pod.
A campanha inclui uma série de materiais com videoaula, que está sendo encaminhada a professores dos ensinos médio e universitário, além de depoimentos de personalidades sobre a questão do cigarro eletrônico, entre elas artistas, autoridades de saúde e influenciadores. A fundação conta com a parceria também de empresas, como a Ecoponte e a Onbus, que vão veicular gratuitamente as mensagens da Fundação do Câncer em suas áreas de atuação.
O diretor executivo da Fundação do Câncer, cirurgião oncológico Luiz Augusto Maltoni, disse à Agência Brasil que a meta é trabalhar “muito pesadamente para mostrar à população, aos professores, pais e responsáveis, e sobretudo aos próprios jovens, dentro das universidades e escolas, os malefícios do consumo de cigarros eletrônicos”. Serão disponibilizados para as escolas e universidades materiais de informação sobre os perigos do produto.
Um milhão de pessoas
O epidemiologista e consultor médico da Fundação do Câncer, Alfredo Scaff, destacou que, de acordo com estudo da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o consumo do cigarro eletrônico aumentou 600% nos últimos seis anos, em todo o mundo. “E no Brasil não é diferente”, afirmou. Dados do Ministério da Saúde mostram que mais de 1 milhão de pessoas já experimentaram esses dispositivos eletrônicos, apesar de sua comercialização ser proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009. O mais grave é que 70% desse público é formado por adolescentes e adultos jovens de 15 a 24 anos, complementou Scaff.
O foco é trabalhar a população de maneira geral mas, sobretudo, a população jovem, que fica vulnerável às ameaças da falsa ideia de que o cigarro eletrônico não faz mal, travestido de sabores e aromas, disse Luiz Augusto Maltoni. A ideia é trabalhar o tema em salas de aula, acompanhado de filmes, para ajudar os professores a terem conteúdo qualificado para fazer com que esses jovens se sensibilizem. Em 2025, a Fundação do Câncer pretende lançar o Desafio Universitário, em parceria com a Anup Social, para levar o ambiente universitário a pensar a questão do cigarro eletrônico e buscar soluções, a partir de projetos que possam chegar a alunos do ensino médio e das universidades de modo a evitar que esses adolescentes iniciem o hábito do cigarro, seja eletrônico ou não.
Maltoni informou que o tabagismo é considerado doença pediátrica. Uma publicação do Banco Mundial (BIRD) de 1999 mostrou que 90% dos tabagistas começam a fumar antes dos 19 anos, com idade média de iniciação aos 15. “Por isso, nosso movimento também visa levar essa questão para as escolas. Queremos incentivar professores a conversar com seus alunos sobre os malefícios do vape”, afirmou Maltoni.
Em parceria com a Anup Social, a Fundação do Câncer criou um kit digital antivape, com peças para serem usadas gratuitamente por todas as escolas públicas e privadas do país. Foram disponibilizadas quatro videoaulas, com questionários para debate nas turmas, cartaz, banner para sites, posts para redes sociais, filtro para Instagram e WhatsApp Card. A intenção foi criar peças que levem informações sobre os perigos do cigarro eletrônico para a saúde por meio de linguagem que se comunique com os jovens. As peças estão sendo distribuídas a mais de 200 faculdades, centros universitários e universidades associadas à ANUP, que contam com mais de 4 milhões de estudantes matriculados. Elas ficarão disponíveis também na página do Movimento VapeOFF, de modo que qualquer instituição de ensino do país possa ter acesso. O acesso às vídeoaulas e ao kit digital antivape pode ser obtido no endereço www.cancer.org.br/vapeoff.
Info.Collect
Também nesta quinta-feira (29), a Fundação do Câncer lança a sexta edição da pesquisa Info.Oncollect, boletim periódico que traz dados sobre o tabagismo e a mortalidade por câncer de pulmão no Brasil. O trabalho mostra que embora no Brasil haja uma política bem estruturada de controle do tabaco, que levou à diminuição da prevalência de fumantes entre os homens, reduzindo em 1% a mortalidade por câncer de pulmão entre pessoas do sexo masculino, a mortalidade entre as mulheres aumentou. Elas começaram a fumar mais tardiamente do que os homens. A expansão do número de mulheres fumantes começa a se refletir na mortalidade aumentada entre as mulheres por câncer de pulmão, informou Luiz Augusto Maltoni. “Apesar de haver queda da mortalidade por câncer de pulmão de 1% em todo o país, foi registrado aumento médio de 2% entre mulheres brasileiras, o que pode ser explicado pelo hábito de fumar”.
O levantamento indicou também elevado número de jovens estudantes que experimentaram o vape, mais de 20% em ambos os sexos. Maltoni estimou que as estatísticas dos malefícios do uso do vape em relação ao câncer de pulmão terão reflexo em 20 anos, uma vez que o câncer de pulmão é uma doença que avança lentamente. Os cigarros eletrônicos contêm nicotina derivada do tabaco, cuja concentração é cerca de duas a três vezes maior do que os cigarros convencionais. Por isso, os especialistas alertam para possível elevação de casos de câncer de pulmão em idade mais jovem, antes dos 50 anos, faixa em que a doença era mais notificada.
Alfredo Scaff destacou a necessidade da retomada urgente das campanhas educativas nacionais feitas pelos ministérios da Saúde e da Educação, bem como a fiscalização de fronteiras e o combate ao contrabando, à falsificação e à comercialização dos cigarros tradicionais e eletrônicos, além da disponibilização de medicamentos e insumos para conter o tabagismo.
O diretor executivo da Fundação do Câncer disse que é preciso aumentar o imposto sobre os produtos fumígenos. Levantamento anual dos preços de um maço de cigarro entre os 188 países que assinaram a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial de Saúde (OMS), feito pelo Centro de Apoio ao Tabagista, revela que o valor é de R$ 33,26 em Portugal, R$ 48,59 na Alemanha e R$ 61,93 na Finlândia, contra apenas R$ 9,75 no Brasil o que, segundo ele, favorece o vício.
Aditivos
A coordenadora do Projeto de Controle do Tabaco da ACT Promoção da Saúde, Mariana Pinho, disse à Agência Brasil que são objetos da campanha da organização neste ano os aditivos de aromas e sabores usados pela indústria do tabaco nos cigarros eletrônicos e convencionais. “A gente entende que esses produtos eletrônicos ou vapes são prejudiciais à saúde e que a regulamentação feita pela Anvisa desde 2009 protege a população e coibiu a disseminação desenfreada no Brasil”.
A Pesquisa Nacional de Saúde, feita em 2019, observou que na população acima de 15 anos, 0,6% usava cigarros eletrônicos. Na avaliação de Mariana, isso tem tudo a ver com a resolução da Anvisa de proibir a circulação desses aparelhos. “Agora, depois de cinco anos de a Anvisa se debruçar na revisão dessa resolução, ela entendeu que além da proibição que já existia, deveria ampliar a proibição à fabricação, ao transporte, armazenamento, à distribuição. “Toda a evidência levantada, inclusive em consultas a institutos de pesquisa, usuários, setor regulado, sobre esse tema indicava que a conduta da Anvisa deveria ser mantida na proibição da circulação dos cigarros eletrônicos”.
A ACT Promoção da Saúde apoia a Anvisa e é contrária ao Projeto de Lei 5.008, de 2023, que, além de estabelecer a liberação desses produtos, prevê o uso de aditivos de aromas e sabores. Permite ainda a venda na internet, que é contrária à legislação existente contra o tabagismo. A comercialização pela internet aumenta a possibilidade de menores adquirirem esses produtos, ponderou Mariana.
A ACT Promoção da Saúde é uma organização não governamental que atua na promoção e defesa de políticas de saúde pública, especialmente nas áreas de controle do tabagismo, alimentação saudável, controle do álcool e atividade física. A ONG está preocupada com o avanço do projeto de lei no Senado e na Câmara e é favorável à sua rejeição. O projeto está na pauta da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e teve votação adiada para a próxima terça-feira (3).
Sopterj
Do mesmo modo, a coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro (Sopterj), Alessandra Costa, reforçou a necessidade da não legalização dos cigarros eletrônicos, com a manutenção da resolução da Anvisa que já regulamenta a matéria. A médica reiterou que a exposição ao tabagismo, seja em qualquer forma, pode acarretar reações alérgicas em curto prazo, como rinite, tosse, conjuntivite, exacerbação de asma.
Em entrevista à Agência Brasil, a pneumologista destacou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou campanha este ano de prevenção do tabagismo entre os jovens e crianças contra os cigarros eletrônicos e os vapes. Lembrou que apesar de o cigarro eletrônico ser proibido no Brasil, existe uma pressão muito grande da indústria do tabaco para que seja legalizada a produção e venda, usando justificativas como maior arrecadação de impostos para os governos. Alessandra Costa advertiu que vários levantamentos comprovam que os gastos causados pelas doenças oriundas do consumo de cigarros são muito maiores do que o lucro que se pode obter com relação a impostos gerados pela venda do produto.
“A Sopterj apoia o treinamento de todos os profissionais comprometidos com a educação infantil até a universidade. Quanto mais pudermos divulgar todos os males que o fumo dos cigarros eletrônicos e os vapes ocasionam, é melhor”. Segundo Alessandra, a luta contra os industriais do tabaco é difícil, tendo em vista o elevado poder aquisitivo do setor.
Em 1989, acrescentou, o Brasil tinha 35% da população fumando e conseguiu reduzir esse índice para 9,2%, em dados atuais. Infelizmente, com a chegada dos vapes ou cigarros eletrônicos, tal como acontece no mundo, são os jovens no Brasil que mais utilizam e experimentam esse tipo de produto. Alessanda assegurou que, como mostram pesquisas feitas no país, ao experimentar esses produtos aumenta em até quatro vezes a chance de esses jovens se tornarem fumantes de cigarros convencionais. Outra questão que preocupa é que os cigarros eletrônicos causam adoecimento bem mais precoce do que os cigarros convencionais.
Evali
Estudo mostra que fumantes de cigarros eletrônicos ou vapes têm câncer diagnosticado 20 anos antes que os fumantes de cigarro convencional. De forma geral, os cigarros eletrônicos e convencionais causam os mesmos tipos de doenças, sendo que os cigarros eletrônicos ou vapes provocam dependência química mais rápida e mais intensa do que os cigarros convencionais, causam adoecimento mais precoce com doenças cardiovasculares, como acidente vascular cerebral (VC), infarto do miocárdio e vários tipos de câncer.
“Então, a gente precisa preparar os professores para que esse assunto seja discutido em sala de aula. Que desde os alunos de idades mais tenras, os professores estejam preparados para falar sobre os males dos cigarros eletrônicos e vapes com todos esses sabores que são colocados para, exatamente, driblar o gosto desagradável da nicotina, que é mais ácida e que torna quem utiliza esses produtos dependente mais rápido, quando comparado aos cigarros convencionais. Além disso, adoecendo mais precocemente”, completa a especialista.
Ela citou, como exemplo, a Evali (Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Eletrônico), que é uma injúria aguda pulmonar causada pelos componentes do vape, principalmente um componente oleoso que causa inflamação intensa no pulmão e, na maioria das vezes, irreversível, em que as pessoas precisam ser internadas em unidades de terapia intensiva e submetidas a ventilação mecânica. A médica defendeu as medidas necessárias para que o Brasil retome o controle do tabagismo e consiga levar à população informações sobre os males que esse novo inimigo – que, na verdade, é o cigarro com outros disfarces – pode provocar, especialmente na camada mais jovem da sociedade. “E que os professores realizem eventos nas escolas demonstrando os perigos de consumir qualquer tipo de cigarro”, insistiu.
No dia 20 de agosto passado, a Fiocruz fez um alerta público ao Senado sobre os riscos da liberação de cigarros eletrônicos no país.