RIO — Duas escolas de fotografia, o mesmo desejo de contar histórias e surpreender o espectador através das imagens. A Caixa Cultural de São Paulo recebe, de hoje a 29 de julho, as exposições “Sombras e mistérios”, do britânico Mac Adams, e “O último Império”, do russo Serguei Maksimishin, ambas com curadoria de Luiz Gustavo Carvalho.
Um dos fundadores da Arte Narrativa nos anos 1970, que cria uma trama a partir da correlação entre imagens, textos ou objetos, Mac Adams traz à capital paulista obras como os dípticos da série “Tragédias pós-modernas”, criada na década de 1980 como uma reflexão sobre as políticas econômicas de líderes como Margaret Thatcher e Ronald Reagan, ou suas “esculturas de sombras”, nas quais diferentes elementos projetam uma nova figura por meio da luz. Já Maksimishin, um dos mais premiados fotojornalistas russos contemporâneos, apresenta pela primeira vez ao público brasileiro o seu olhar sobre a realidade do país, em 65 fotos.
— Gosto de mostrar histórias surpreendentes. Tenho pensado muito sobre o que é uma boa foto, e nunca cheguei a uma conclusão mais abrangente sobre o que ela pode ser. Acredito que a principal habilidade de um fotógrafo, da mesma forma que a de um contador de histórias, é a capacidade de perceber algo surpreendente e levá-lo aos espectadores em sua integridade — analisa Maksimishin, que fará uma visita guiada amanhã, junto ao curador.
Mac Adams, que nasceu no País de Gales e se mudou para Nova York na década de 1970, também vai à abertura e terá duas mostras em cartaz em São Paulo. Além da Caixa Cultural, o fotógrafo segue com a individual “Mens Rea: a cartografia do mistério” até 8 de julho no Centro Cultural Fiesp, o que, para ele, oferece ao público uma visão de sua prática como artista, abrangendo quatro décadas de carreira. O britânico acredita que, de certa forma, a fotografia sempre foi narrativa, sobretudo em sua forma documental, mas levou tempo para conquistar importância institucional:
— Até a década de 1960/1970, a fotografia não foi levada a sério como arte. No MoMA, por exemplo, ela se restringia a uma pequena galeria no quarto andar, enquanto a pintura e a escultura ocupavam três andares enormes, entre os anos 1960 e 1970. Só quando os artistas conceituais se apropriaram dela e a desconstruíram é que a fotografia passou para o primeiro andar do museu, ao mesmo tempo em que seus valores foram acrescidos em dois dígitos.
Em sua trajetória para criar arte a partir de imagens ou da recriação de objetos, Mac Adams explorou as muitas formas de se ver o mesmo elemento. Para ele, em tempos de “fake news”, algumas obras podem ganhar novo significado.
— Na década de 1980, quando fiz alguns dos trabalhos, todos na academia e no mundo da arte pensavam que o pós-modernismo era o novo salvador intelectual. . Avançando para 2018, parece que esse fenômeno da pós-verdade pode ser lido à luz do pós-modernismo — observa Adams. — Na época, acadêmicos desconstruíam textos, reforçando que existiam múltiplas verdades e que elas eram condicionadas por diferentes perspectivas. Infelizmente, ao que parece a extrema direita se apropriou disso. Se não há uma única verdade, eles podem negar a mudança climática, a ciência e apresentar fatos alternativos.
À sua maneira, Maksimishin também busca revelar diferentes realidades da Rússia contemporânea, por meios de fragmentos de cenas cotidianas que se relacionam à própria tradição da escola soviética de fotografia.
— A marca da fotografia russa, como na literatura, é o tema do homem comum. Dostoiévski dizia: “Todos nós viemos de ‘O capote’”, de Gogol. Se pensar na origem das obras, provavelmente terá algo da literatura russa e a pintura clássica ocidental — aponta Maksimishin, para quem a Copa do Mundo pode aguçar a curiosidade do público sobre o país. — Temos experiência em grandes eventos, então espero que tudo vá dar certo. Só acredito que estádios e áreas de torcedores não são os melhores locais para se formar uma visão adequada sobre um país.